Lapso Trivial

Estudantes devem mesmo ler os clássicos nacionais?

Esse debate é requentado vez ou outra, sempre com alguma variação do argumento de que a obrigatoriedade de ler clássicos desencoraja à leitura os jovens estudantes, os quais deveriam, supostamente, ser apresentados a leituras prazerosas – como, sei lá, Harry Potter – ao invés de Machado de Assis, Eça de Queiroz, entre outros pesos-pesados da literatura em língua portuguesa.

Se aplicarmos a mesma lógica às demais disciplinas teríamos aulas de matemática em que os alunos aprenderiam apenas as equações de seu interesse. Ou aulas de Química em que estudaríamos somente Hidrogênio e Oxigênio, pois os alunos curtem, já Bário e Manganês infelizmente não possuem o mesmo sex appeal.

Antes de mais nada quero deixar claro que não sou professor de Língua Portuguesa ou literatura, então minhas opiniões possivelmente não refletem a totalidade dos motivos que levam esses professores a ensinarem suas disciplinas de forma A ou B.

Também quero salientar que a educação tem sim papel de incentivar os alunos a criarem gosto pela leitura, o lugar disso, porém, é no ensino básico, em especial nos anos iniciais. E falo com tranquilidade que a literatura brasileira supre essa necessidade sem problemas. Quantos não começaram a ler pela Turma da Mônica, ou Menino Maluquinho, para mais adiante encontrar com a coleção Vagalume ou os livros infanto-juvenis de Pedro Bandeira, entre outras referências que entregam a minha idade.

O que eu entendo por aprender literatura, entretanto, vai além do mero aprender a gostar de ler, ou conhecer bons livros. É compreender uma forma de arte, seu desenvolvimento ao longo dos anos, como determinada obra foi influenciada pelas culturas portuguesa, africana e indígena - entre outras que chegaram mais tarde - e como influenciou nossa cultura dali em diante. Os alunos de Ensino Médio não leem Machado de Assis, Jorge Amado ou Euclides da Cunha apenas porque são ótima literatura, eles leem para passar no vestibular . Esses autores são lidos por serem representantes de uma determinada visão literária que refletiu a cultura e o pensamento de seu tempo e foi capaz de influenciar a formação da literatura, do pensamento e da cultura brasileira dali em diante. Ler o Bruxo do Cosme Velho é entender sua visão quanto ao comportamento da alta classe carioca, com um toque de desprezo e ironia irresistíveis. Ler Capitães da Areia é ver que Jorge Amado compôs um retrato dos meninos de rua na Bahia do início do século XX, mas que poderia muito bem ser do XXI. Ler Carolina Maria de Jesus é entender a realidade dos marginalizados nos anos 50 e 60, que mudou assustadoramente pouco, quase nada, até hoje. Todas essas leituras falam do Brasil que fomos, mas principalmente dão todas as pistas necessárias para entendermos o Brasil que nos tornamos.

Não há nada de errado em um professor porventura apresentar Bukowski, Neruda, até mesmo Harry Potter ou Jogos Vorazes, caso combinem com um aluno a ser incentivando à leitura. Mas esse não é o verdadeiro papel de uma aula de literatura em língua portuguesa. Também não é culpa de ninguém se um aluno escolher não ser um leitor voraz, preferir aprender apenas o suficiente para passar de ano, ou no vestibular, e depois deixar isso para lá. Praticamente todos que seguem na área de humanas o fazem com algumas disciplinas, como química, física ou biologia.

Se há motivo para, vez ou outra, fugir dos clássicos, é para mostrar que a literatura em língua portuguesa não se restringe a eles. Machado de Assis pode – e deve – se somar aos Racionais, a autores que tragam expressões de línguas indígenas ou mesmo a escritores de países africanos em língua portuguesa. Se for para fugir dos clássicos, que seja rumo aos marginalizados, àqueles que tenham algo à agregar à nossa formação e cultura, não à literatura comercial consolidada, esta já vai muito bem, obrigado.

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#Literatura #educação #língua portuguesa